19 outubro 2006

Serenamente

Com base num estudo de Cristina Reis, da Price Waterhouse Coopers, referido pela edição do DN de 17.10.06, “os deficientes foram muito penalizados na proposta de Orçamento”.

De acordo com a simulação da consultora, “em alguns casos o agravamento pode chegar aos 12%.” .

Comentei que, a ser verdade, tal seria inaceitável, do ponto de vista de uma sociedade inclusiva e solidária, e fiz um apelo ao governo para, no caso de tal se confirmar, reconsiderar a sua posição.

O Primeiro Ministro respondeu crispadamente acusando-me de ter feito essa afirmação sem ler o Orçamento.

Teria acrescentado que não há qualquer agravamento da tributação mas uma preocupação de maior justiça fiscal, onerando os deficientes com rendimentos mais altos para beneficiar os de menores rendimentos.

É estranha a crispação do Primeiro Ministro em relação a um comentário e um apelo que lhe dirigi. Mais estranha é a sua concepção de uma justiça fiscal em que se tira a uns deficientes para dar a outros.

Não é esta a minha concepção, nem de justiça fiscal, nem de justiça social. Muito menos de uma política socialista.

O grande critério da justiça redistributiva é o imposto sobre os rendimentos, que é universal.

É aí que o Estado vai buscar aos que têm mais para proteger os que têm menos. Os deficientes com mais rendimentos já pagam por essa via.

Aliás, o aumento de receitas obtidas através desta alteração nos benefícios fiscais é relativamente marginal.

O que me leva a interrogar se faz sentido pôr em causa, por tão pouco, um sector tão sensível. Havia com certeza outras formas de ir buscar a receita em falta.

O que não faz sentido é que, tanto na saúde, através das taxas moderadoras sobre internamentos e cirurgias, como relativamente a pensionistas e agora também a deficientes, se adoptem soluções que equivalem a uma dupla tributação ou a um agravamento da carga fiscal sobre esses sectores, já de si mais frágeis.

E menos sentido ainda faz, como escreveu o professor André Freire, no Público de 16.10.06, que “os detentores do capital tenham sido tão pouco chamados a participar nos esforços de reajustamento que afectam os restantes portugueses.” Isto sim, como disse o autor, “é incompreensível”. [Manuel Alegre, 18.10.2006]

Sem comentários: