31 outubro 2006

Mudança climática pode causar recessão mundial

Filomena Naves
Diário de Notícias
31.10.2006



As alterações climáticas exigem acção imediata. Não o fazer terá custos económicos globais idênticos aos das duas guerras mundiais ou aos provocados pela Grande Depressão de 1929, com perdas que podem atingir 20% do PIB a nível mundial (5,5 biliões de euros), nas próximas décadas.

Evitar a catástrofe de uma recessão, que arrastaria consigo um exército de 200 milhões de refugiados, vai exigir um investimento anual global de 1% do PIB durante os próximos 50 anos.

A começar já hoje.

Desta vez, o alerta não vem dos cientistas do clima nem dos ambientalistas. Estes números têm a assinatura do britânico Nicholas Stern, antigo economista principal do Banco Mundial, e constam de um relatório que lhe foi encomendado pelo governo britânico e que ontem foi divulgado em Londres.

Numa reacção ao documento, o primeiro-ministro Tony Blair apelou à acção internacional urgente.

O relatório Stern, que vem na sequência de uma série de estudos parcelares feitos anteriormente sobre os custos económicos das alterações climáticas, faz uma súmula dessas perdas e aponta uma série de soluções com metas concretas.

Peça-chave do combate às alterações climáticas é a redução das emissões de gases com efeito de estufa, sobretudo do dióxido de carbono (CO2).

Na avaliação de Stern, que confirma todos os anteriores artigos científicos, "as alterações climáticas são já inevitáveis, vamos senti-las nas duas ou três próximas décadas". O que é possível, garante, e nesse sentido "este é um relatório optimista" é atalhar a severidade das consequências para não se chegar à situação de catástrofe, adverte o especialista.

Fazê-lo vai exigir a estabilização da concentração de CO2 na atmosfera em valores da ordem dos 450 a 550 ppm (partes por milhão) nos próximos 20 anos, para depois se iniciar uma redução de 2 ppm ao ano.

Para se ter uma ideia, na era pré- -industrial aquele valor era de 280 ppm. Neste momento, já está nos 430 ppm. De acordo com o relatório Stern, a concentração de CO2 na atmosfera cresce actualmente à razão de 2 ppm anuais.

Basta, portanto, fazer contas para se perceber até que ponto o planeta está à beira de passar para lá da linha vermelha.

Pelas contas do economista britânico, as metas são altas: para estabilizar a concentração de CO2 no valor que ele propõe, as emissões daquele gás com efeito de estufa terão de estar, em 2050, 25% abaixo dos seus valores actuais.

Isso exigirá algo como um corte anual global de 80% nessas emissões.

Ironia, coincidência, ou outra coisa qualquer, soube-se ontem também, através de um relatório da ONU, que as emissões de CO2 estão de novo a aumentar no planeta (desde 2000) depois de terem decrescido na década de 90.

Mas não é por falta de soluções, como mostra Stern. As suas propostas para contrariar esta tendência passam, no que respeita aos estados, pela criação de impostos para taxar as emissões, o investimento em tecnologias e inovação limpas e a criação de incentivos à eficiência energética.

Mas sem uma coordenação de esforços a nível internacional, adverte o especialista, não será possível inverter a tendência actual.

O caminho está na expansão dos mercados de carbono, na adopção de medidas que travem a desflorestação e na aceleração das negociações no âmbito de Quioto e da Convenção das Alterações Climáticas, para definir cortes nas emissões.

Resta saber se é desta que os políticos reagem a tempo.

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