23 outubro 2006

"Os sacrificados são os mesmos de sempre"

António José Teixeira
TSF



Manuel Alegre desafia o PS a tocar nos lucros dos bancos.

"Não houve uma distribuição dos sacrifícios, os sacrificados são os mesmos de sempre."

Critica alguns aspectos do Orçamento do Estado, mas votará a favor. Não sem acrescentar uma declaração de voto com os seus reparos.

Já leu melhor o Orçamento, como aconselhou José Sócrates?

Fiz críticas a alguns do OE, aliás seguindo as páginas económicas do DN.

Critiquei dois aspectos: a redução da dedução à colecta pelos deficientes e o problema das taxas moderadoras por internamentos e cirurgias. São aspectos muito sensíveis que têm grande significado social e simbólico e isso conta muito em política.

Depois do Tratado de Maastricht privilegiou-se a inflação e o controlo dos défices, em detrimento do crescimento.

Isso levou a desigualdades, a um menor crescimento e a um maior desemprego. Dentro de uma economia de mercado não há uma só escolha. E essas escolhas são políticas e não tecnocráticas.

Qual é a solução aqui?

A contenção das despesas implicou 20 por cento de diminuição no investimento público, o que tem um efeito indutor no sector privado e depois mais uma quebra no poder de compra dos funcionários.

Há alguma alternativa?

Em 2002 o presidente Sampaio pediu, numa entrevista ao Le Monde, a revisão do Pacto de Estabilidade.

Vamos ter uma grande oportunidades agora, na presidência portuguesa da UE. O Governo deveria pedir uma revisão do PEC, para ficar de fora das contas públicas o investimento público, que é o instrumento que um Estado tem para promover o crescimento.

Nos deficientes, o Governo explicou que só serão afectados aqueles com maiores rendimentos. Não acha que este é um princípio de justiça social?

Ainda não compreendi. É uma matéria muito sensível. Não vai resolver nenhum problema, não é por aí que se acertam as contas públicas.

Numa sociedade solidária e de inclusão, como a que o PS defende, deveria ter-se muito cuidado.

Como é que viu a reacção do primeiro-ministro?

Acho que não leu o meu comentário.

Porque é que não participa nas reuniões do grupo parlamentar do PS?

Passei a vida a confrontar toda a gente com as minhas críticas. Depois de determinadas coisas que lá se passaram entendi que não devia voltar a participar. E além do mais vem tudo depois nos jornais.

Na Saúde, o Governo argumenta que as taxas de internamento só abrangerão pessoas a partir de um determinado nível de rendimento. E há também o pesado défice...Mas essas medidas não representam senão um por cento.

Mas não concorda com o princípio segundo o qual quem tem mais posses deveria pagar?

Sou republicano e democrata. Tenho uma outra visão do princípio da universalidade das leis. Se um homem muito rico pagar os seus impostos, tem direito a um hospital público, da mesma maneira que alguém que tenha um rendimento mínimo.

Há mais casos de dupla tributação?

Teixeira dos Santos é um bom ministro e tem preocupações de justiça social.

Mas o problema é europeu. Os socialistas capitularam em Maastricht face ao modelo neoliberal.

E há outro problema: em 2005 os bancos tiveram 30% de lucro, e muito à custa do sobreendividamento dos portugueses.

Ou seja, o Governo não tem coragem para tocar nos bancos...Não tocou. Quem é atingido é a classe média, são os trabalhadores.

É positivo que na Segurança Social não tenha havido cedência à tentativa de impor um sistema misto, embora a proposta seja trabalhar mais, pagar mais e receber menos.

Ou seja: não houve uma distribuição dos sacrifícios, os sacrificados são os mesmos de sempre.

Como é que vai votar o Orçamento?

Não votei o último e fui quase fuzilado por alguns jornalistas. Não o fiz porque estava disputar a sério as presidenciais e os resultados demonstraram-no.

E este ano?

Um deputado responde perante a sua consciência e perante o país - é o que está na Constituição.

Mas sendo eleito por listas partidárias, há questões em que um deputado tem que votar: o programa de Governo, as moções de censura ou de confiança e é o Orçamento.

Isso vai pôr-me um problema que vou resolver. Se estiver na Assembleia votarei a favor - mas com uma declaração de voto.

Mas ainda não decidiu se estará...

Muito provavelmente estarei, mas farei uma declaração de voto, a reafirmar os reparos que já fiz e outros.

Está fora de causa votar contra?

Isso implicaria passar a independente. No Orçamento não deve haver violação da disciplina de voto.

Passou-lhe pela cabeça, após as presidenciais, passar a independente?

(Risos) Sou uma pessoa independente, como já demonstrei. Sou socialista por uma opção de vida, já era socialista antes de ser filiado no PS.

Ser filiado não o amarra a situações em que preferia não estar?

Neste caso, sim. Mas já uma vez suspendi o mandato para não votar uma revisão constitucional.

Como é que o socialista tem vivido a governação do seu partido?

Vejo o país com preocupação porque o país precisa de ter esperança.

Primeiro de muitos jovens, que se desinteressam da vida pública e só pensam na salvação pessoal. E preocupa-me que muita gente que acreditou no 25 de Abril esteja desencantada.

E a governação do PS?

Com preocupação, porque é muito difícil pôr em prática políticas socialistas. Entre socialistas e conservadores há alternância mas não há alternativas. É preciso muito cuidado com uma maioria absoluta. Devia haver mais pedagogia e diálogo. Quanto maior for a maioria, maior deve ser a vigilância sobre si própria.

Os protestos de rua devem condicionar a acção governativa?

O Governo deve estar atento aos sinais da rua. E quando há manifestações como aquela dos professores, exprime-se a zanga das pessoas, o mal-estar. A reforma faz-se com os professores e não contra os professores. Há muita gente à direita do PS que pode estar a aplaudir o Governo.

Mas aquele núcleo essencial do eleitorado do PS, que não é tão forte como isso como se viu nas presidenciais e nas autárquicas, pode ser duramente afectado. E de repente isto muda.

Acho que o PS devia ousar tocar naquelas percentagens absurdas de lucros dos bancos. Há hoje em quase todos os países europeus impostos sobre grandes fortunas, até no Luxemburgo. Os bancos deviam contribuir com uma parte para o esforço colectivo. O meu partido devia, por exemplo, ter criticado o Compromisso Portugal e aquela proposta de despedir 200 mil funcionários públicos. E não o ouvi fazer.

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