28 setembro 2006

Síntese do Encontro "ÁGUA: MERCADORIA OU DIREITO HUMANO"

No dia 23 de Setembro, pelas 15 horas, nas instalações da Escola Superior de Tecnologia e Gestão, teve lugar um encontro, organizado pelo Núcleo do Movimento de Intervenção e Cidadania de Viana do Castelo, que se debruçou sobre a problemática da privatização da água, propondo uma discussão à volta do tema "Água: Mercadoria ou Direito Humano".

Neste encontro confrontaram-se diversas perspectivas e foram apresentados vários olhares que contribuíram para um debate muito vivo. A primeira interveniente da tarde, Isabel de Castro, ex-deputada de Os Verdes, considerou a água como um bem fora da lógica dos mercados e adiantou que a posse da água constituirá um dos desafios mais marcantes para a humanidade, até do ponto de vista da segurança. Daí, na sua opinião, ser esta uma discussão política, pois tem como pressupostos três pilares fundamentais para as sociedades futuras: a equidade, a solidariedade e a sustentabilidade ecológica.A privatização da água comprometeria a garantia de acesso universal de todos os cidadãos a este bem e, como maus exemplos de privatização, Isabel de Castro apontou experiências realizadas na América Latina e nos Estados Unidos da América, nomeadamente o caso paradigmático da cidade de Atlanta, nos USA, país campeão do neo-liberalismo, que depois de terem feito a privatização tiveram que fazer regressar ao domínio público a distribuição da água às populações. Assim como abordou as parcerias público/privado dizendo que os investimentos feitos o são à custa do investimento público e que as empresas privadas incentivam o gasto da água e não a poupança já que o lucro é a sua razão de ser.

Seguidamente, o representante da Portucel Viana, engenheiro Armando Brochado, considerou a água como um recurso e sublinhou o modo como a indústria, grande consumidora de água, o tem gerido, procurando uma redução no seu consumo e a redução dos seus efluentes. Focalizando a Portucel, Armando Brochado referiu que esta empresa reduziu em 70% o seu consumo de água, desde o seu início até hoje, apesar de a progressiva salinização do rio obrigar a um trabalho suplementar que exige um aumento desse consumo. Armando Brochado sublinhou, ainda, o facto de, apesar da indústria ser apontada sempre como a maior consumidora de água, outros sectores como a agricultura apresentarem um consumo mais elevado e, em alguns casos, com mais desperdício.Fez menção a uma taxa de recursos hídricos que virá a ser aplicada e que no seu entender deveria ser devolvida às empresas de acordo com o seu desempenho na protecção ambiental. "Tendo a Taxa dos Recursos Hídricos um objectivo de promoção da qualidade do ambiente, estas verbas deveriam, isso sim, ser postas ao serviço desse objectivo, o que, na opinião da indústria, passaria pelo reinvestimento total em medidas adicionais de melhoria do desempenho ambiental das empresas abrangidas pela referida taxa e não no financiamento de despesas correntes da administração pública." "A persistir esta visão penalizadora, nem aproveitará o Ambiente nem sairá reforçada a competitividade do País."

Teresa de Jesus, bióloga e representando a Fundação Nova Cultura da Água, centrou a sua atenção sobre as mini-hídricas e o modo com estas afectam o estado ecológico da água e dos ecossistemas. Definindo a mini-hídrica como uma central hidroeléctrica de pequenas dimensões, Teresa de Jesus exemplificou profusamente como estes equipamentos alteram o caudal dos rios, provocando um decréscimo da qualidade biológica da água e alteração da fauna existente, com o desaparecimento de algumas espécies e aparecimento de outras menos apelativas. Os renovados projectos de 3 mini-hídricas, para o rio Minho, terão impactes negativos da mesma monta dos que inviabilizaram a barragem de Cela num passado recente.

Os Serviços Municipalizados de Viana do Castelo também estiveram representados, neste caso pelo Engº Victor Lemos, Presidente do Conselho de Administração, que sublinhou o direito da população em receber a água com qualidade. Victor Lemos exaltou a qualidade do abastecimento público no concelho, referindo as várias estratégias levadas a cabo para que tal aconteça, sobretudo no que respeita às amostragens aleatórias, às análises e à minimização de violações da pureza da água.

A vizinha Galiza disse "presente" através da participação de Xosé Gundin Garcia, representante da Asociación Cultural e Social Arcebispo Lago, que declarou a água como um direito humano, social e nacional. Considerando a água como um recurso escasso e realçou o facto de que quem controla esse recurso possui direitos sobre os outros. E falando de realidades que afectam a região vizinha, tais como o estado em que se encontra a ria de Vigo, destacou a necessidade de haver acordos trasnsfronteiriços para uma melhor gestão da água.

Finalmente interveio Manuel Alegre que considerou esta questão da água como uma questão nacional, afirmando que se deve manter o controlo público da exploração da água e acreditando que os serviços públicos, devidamente enquadrados, têm capacidade para gerir a posse da mesma.

Após as apresentações, seguiu-se um debate onde, entre outras, sobressaíram as intervenções dos representantes do STAL, Sindicato dos Trabalhadores da Administração Local, que se colocaram veementemente contra a privatização dos serviços de abastecimento da água.

Membro da Confederación Intersindical Galega reforçou os argumentos esgrimidos de oposição à privatização da água, relevando as experiências nefastas levadas a cabo na Galiza.

O encontro realizado permitiu aos presentes a constatação de que se trata de um tema polémico, ainda não suficientemente discutido e a necessitar de alguma clarificação de conceitos.

26 setembro 2006

M!C não é genese de partido político

Manuel Alegre sublinhou que o Movimento de Intervenção e Cidadania, que surgiu à volta da sua candidatura presidencial, não vai estar na génese de nenhum partido. O MIC é oficializado esta segunda-feira.

Manuel Alegre admitiu ser uma «referência» no interior do Movimento de Intervenção e Cidadania (MIC), que surgiu na sequência da sua candidatura presidencial, mas recusou qualquer cargo executivo na associação, que sublinhou não ser sequer a génese de um partido político.«Faço parte do Conselho de Fundadores que tem uma palavra a dizer sobre as estratégias do movimento, mas não sobre a sua condução. Têm de haver muitos intervenientes. Isto não é um partido político, nem pretende ser um partido político», explicou.O movimento, no qual Manuel Alegre foi eleito presidente do Conselho de Fundadores, vai ser oficializado esta segunda-feira a escritura pública da associação, altura em que também serão registados os seus estatutos.Esta associação pretende que sejam cada vez mais os cidadãos que pensam nos problemas e futuro do país, estando, por isso, prevista a abertura de uma página na Internet, onde estes problemas possam ser debatidos por todos os cidadãos.
fonte:TSF

24 setembro 2006

"A Água é um problema sério para o país e para a humanidade"

Manuel Alegre em Viana do Castelo


"Venho aqui falar do problema da água, que é um problema sério para o país e para a humanidade",afirmou Manuel Alegre ontem no Encontro organizado pelo MIC com o tema "Água: Mercadoria ou Direito Humano".

"Deve-se privilegiar a água como direito humano, o acesso de todos a ela em boas condições e uma gestão equilibrada e racional" declarou, considerando que este "é um assunto prioritário porque há quem diga que vai ser um assunto decisivo do futuro". "Uma grande parte da Humanidade não tem água que chegue e mesmo aqui, embora haja mais água, há mais problemas no acesso e na gestão que por exemplo no Sul" acrescentou.
Perguntado sobre se iria ao Congresso do PS, Manuel Alegre afirmou que "Há coisas mais interessantes para falar."

[Confronte com notícia de Ana P. Fernandes no Público, 24.09.2006]

23 setembro 2006

"Por uma nova cultura da água"

1. Faz amanhã um ano que anunciei publicamente em Águeda a intenção de me candidatar às eleições para a Presidência da República. Disse então que alargar a cidadania era o sentido do meu combate. No meu Contrato Presidencial e ao longo de toda a campanha insisti na necessidade da afirmação do poder dos cidadãos. A resposta que tive nas urnas mostrou que mais de um milhão de portugueses corresponderam a esse apelo. Disse também que a nossa Constituição consagra um conjunto de direitos fundamentais que não podem ser esquecidos, incluindo neles o direito a um ambiente humano e ecologicamente equilibrado. Não podia por isso deixar de estar presente nesta iniciativa do MIC de Viana do Castelo, destinada a debater a Água, um dos principais problemas do século XXI.

2. A água é o suporte básico da vida no nosso planeta e surgiu muito antes da existência dos seres humanos. É e sempre foi considerada um bem público. Um em cada seis habitantes do planeta não tem acesso à água potável, enquanto um em cada três não dispõe de condições sanitárias adequadas. Isto significa que uma grande parte da humanidade não tem garantidas condições mínimas de acesso à vida e à saúde. A desigualdade no acesso à água potável é muito grande. A classe média ou alta das cidades consome 50 a 150 litros por dia e por pessoa, ou mais, enquanto os habitantes dos bairros ou países pobres têm de se contentar com 5 a 10 litros. Nesses locais é sobre as mulheres e as crianças que recai a tarefa pesada de garantir o abastecimento diário de agua potável.

3. Em Portugal, em 2003, 92 % da população estava servida por uma rede pública de abastecimento de água potável, embora haja uma grande desigualdade regional. Na Região Norte, apesar da maior quantidade de recursos hídricos, a percentagem descia para 82,9%, enquanto em Lisboa subia para 99,1%. É de frisar que no Alentejo a percentagem, de 95%, é mais elevada que no norte do país. Quanto ao acesso à rede pública de águas residuais, a taxa de cobertura era de apenas 73,5%. O Norte, com 59,6%, tem valores inferiores à média nacional. Em termos comparativos, Portugal situa-se a meio da tabela, entre os países desenvolvidos, com uma taxa de cobertura de saneamento de 98%, e os países em desenvolvimento, com 49%. Isto significa que também em Portugal há ainda um caminho a percorrer para garantir que toda a população tem acesso a água potável de qualidade e a redes de saneamento básico eficientes.

4. A emergência do pensamento científico no final do século XVI instaurou na relação entre o homem e a natureza o paradigma do domínio. Para o filósofo e cientista Francis Bacon, contemporâneo de Descartes, "o conhecimento é em si mesmo um poder" que permite conquistar e dominar a natureza. Sabemos hoje que este domínio não pode ser ilimitado. A destruição e esgotamento dos recursos naturais, as alterações climáticas, o aquecimento global e a ruptura dos ecossistemas ameaçam a sobrevivência, não apenas da humanidade, mas da própria vida. Um dos grandes desafios do século XXI é o da nossa reconciliação com a natureza. Não somos donos da Terra, estamos de passagem e somos devedores de gerações que ainda não nasceram. É essa a essência do conceito de sustentabilidade: encontrar modos de desenvolvimento que não ponham em causa a possibilidade de vida e bem-estar no futuro.

5. Em muitos países europeus, as visões liberais do século XIX impuseram um processo de venda de património natural, incluindo recursos hídricos, com a convicção de que era o único modelo de produção possível. No início do século XX, com o desenvolvimento da engenharia e com a crise de 1929, a maioria das responsabilidades na gestão da água passou para o controle público. O Estado surgiu como promotor de grandes barragens e garante do acesso à água, tanto no fornecimento urbano como no uso industrial e na irrigação. Nos anos 80, este modelo mostrou os primeiros sinais de crise. A construção mundial de mais de 50.000 barragens de larga escala rompeu a continuidade de uma grande maioria dos rios causando um impacto irreversível no ciclo natural da água. Este impacto foi agravado pelo crescimento das áreas urbanas, pela impermeabilização dos solos e pela contaminação das águas superficiais e subterrâneas. É nas águas doces continentais que se regista o maior número de espécies extintas ou em extinção.

6. Os nossos rios já não são os nossos rios. Já não aprendemos a nadar nas suas águas. Já não se encontra no rio Lima a quantidade de lampreia que lhe deu fama. Não se trata apenas de uma nostalgia do que foi: os rios que nos viram nascer e crescer podem perder-se para sempre. Heraclito de Éfeso terá sido o primeiro ocidental a constatar que "tudo flui" ("Panta rhei") e por isso tudo muda. "Não cruzarás o mesmo rio duas vezes, porque outras são as águas que correm nele", disse ele. Hoje sabemos que não é apenas o rio, nem somos apenas nós próprios que mudamos. É o próprio ciclo natural da água que corre o risco de colapsar, com consequências desastrosas para todas as formas de vida.

7. Independentemente do estatuto de propriedade da água, tem prevalecido na Europa a tendência do uso do direito ao licenciamento, cabendo ao Estado garantir a democratização do acesso à água. A maioria das águas de superfície são do domínio público, podendo ser concedido o direito à sua exploração para vários fins. Quanto às água subterrâneas, em Portugal elas são geralmente propriedade privada, enquanto em Espanha, pelo contrário, são do domínio público. Durante muito tempo a legislação sobre as diferentes formas de exploração dos recursos hídricos ignorou o ciclo da água. Mas o uso excessivo de furos e sistemas de bombagem e as descargas de efluentes sem tratamento mostraram ser métodos insustentáveis. Na Europa central e setentrional, foi preciso desencadear operações dispendiosas para restaurar a vida em rios tornados mortíferos por usos errados. A contaminação por pesticidas e químicos usados na agricultura também atinge proporções crescentes. Mais de dois terços dos países europeus sofrem de uma poluição generalizada nas suas águas subterrâneas. Em Portugal e nas zonas mediterrânicas, a extracção abusiva de águas subterrâneas tem conduzido à salinização progressiva, ao esgotamento de reservas de água doce, à secagem de fontes e à diminuição dos fluxos de água, agravando a desertificação. A expansão do eucalipto contribui para a diminuição drástica dos recursos hídricos. Pobreza e ignorância, juntamente com a irresponsabilidade de entidades públicas e privadas, completam o ciclo da degradação e crise ecológica nos ecossistemas da água.

8. Os processos de alteração climática estão a provocar um aumento gradual das temperaturas e a modificar o regime das chuvas. Há cada vez mais episódios extremos, como cheias catastróficas ou alterações substanciais nos níveis da água em períodos de seca. É preciso dar toda a prioridade à conservação e restauração da qualidade ecológica dos recursos hídricos. O princípio do poluidor-pagador tornou-se insuficiente. É muito mais barato e eficaz evitar a poluição na origem do que descontaminar. É preciso generalizar o princípio da precaução na gestão e uso da água.

9. Impõe-se uma mudança cultural profunda. Temos de alterar a nossa escala de valores, a nossa concepção da natureza e os nossos estilos de vida. Trata-se no fundo da emergência de uma nova cultura da água, que reconheça as suas múltiplas dimensões, éticas, ambientais, políticas e até emocionais. A nova cultura da água baseia-se no princípio universal do respeito pela vida, considera os recursos hídricos, no seu todo, como património da biosfera e exige que eles sejam geridos e utilizados de forma democrática e sustentável. É isto que pretende a Declaração Europeia para um nova Cultura da Água, aprovada em Fevereiro deste ano em Madrid, na sequência da aprovação pela União Europeia da Directiva Quadro da Água, de 2000, transposta para a lei portuguesa pela Lei Quadro da Água, de 2005.(1)

10. A Declaração Europeia para um nova Cultura da Água defende uma nova abordagem ética da água e estabelece novas prioridades. A primeira prioridade é "Água para viver". Assegurar a sobrevivência do ser humano através do acesso à agua potável deve ser um direito humano universal, na linha do que já foi expressamente reconhecido pelo Comité dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas em 2002.(2)
Não se trata apenas de um direito individual. A lógica do neo-liberalismo tem vindo a agravar as desigualdades entre países ricos e países pobres. Muitas empresas, impedidas de poluir os recursos aquíferos nos seus países, sentem-se livres para o fazer nos países pobres ou em desenvolvimento, praticando um inadmissível "dumping" sócio-ambiental. As funções da água na preservação da saúde pública, da coesão social e da equidade devem ser por isso a segunda prioridade. Trata-se no fundo de reconhecer o direito colectivo das comunidades ao usufruto e sustentabilidade dos seus próprios recursos hídricos. A função da água no desenvolvimento económico, associada ao seu uso por entidades privadas, é a terceira prioridade. Mas a intervenção dos agentes económicos privados não pode ser dissociada dos objectivos sociais e ambientais globais. Também neste campo a responsabilidade social das empresas será um factor cada vez mais determinante. Em suma, é preciso garantir a prioridade dos direitos humanos e sociais sobre os interesses de mercado e impedir o recurso à água para negócios ilegítimos, ou a sua utilização abusiva e irresponsável.

11. Uma dimensão essencial da nova cultura da água é a democratização dos processos de decisão. O debate sobre a liberalização dos serviços de água deve ser alargado a todos, com a participação dos cidadãos e das suas organizações. É necessário distinguir entre privatização, liberalização e desregulamentação. A privatização implica a transformação do estatuto jurídico do operador, a venda de recursos públicos ao sector privado ou a concessão da totalidade dos direitos de uso. A liberalização significa introduzir mecanismos de mercado na gestão da água. Finalmente, a desregulamentação significa reduzir a intervenção do Estado. É útil recordar que os processos de liberalização quase sempre implicam o aumento do poder regulador do Estado, com a criação de entidades reguladoras, a definição de obrigações de serviços públicos e a protecção do consumidor.

12. Em 2002, pronunciei-me contra o anúncio pelo governo de coligação PSD-PP de várias privatizações, entre elas a da água. Escrevi então que "a questão de saber se sectores económicos estratégicos devem permanecer ou não sob controle português não é uma questão ideológica, nem pode ser reduzida a uma polémica entre partidários do sector privado e defensores do sector público. Trata-se de uma questão nacional, de cuja solução pode depender o futuro e a viabilidade de Portugal". E acrescentei que ?só há uma maneira de garantir que esses sectores continuem portugueses, é manter sobre eles o controle do Estado?. Continuo a pensar o mesmo. O reequilíbrio orçamental não pode fazer-se à custa da sobrevivência do país.

13. Em 2005, em plena campanha para a Presidência da República, admiti a possibilidade de recorrer a todos os poderes presidenciais para defender o direito à água, incluindo, se necessário, a dissolução da AR. Fui então muito atacado, com base no argumento de que já teria aprovado a privatização da água, ao votar a Lei Quadro da Água na Assembleia. O argumento foi intelectualmente desonesto. As leis da água então votadas não obrigam à privatização da água. Defendo que a água se deve manter no domínio e propriedade pública. A existência de concessões para a distribuição da água, que a lei permite, não significa desistir de garantir, a par de uma gestão racional e sustentável, o controle público da exploração. Pelo contrário, aumenta a necessidade da nossa vigilância. Não estamos a discutir a "privatização" da água dos rios, das ribeiras, dos lagos, nem do mar, mas sim dos sistemas de distribuição. Qualquer concessão cem por cento privada da distribuição da água significaria transformar um monopólio natural num monopólio privado, o que é inaceitável. Mas a mercantilização da água captada é um facto inegável. Todos pagamos a água engarrafada que bebemos e a factura da água canalizada no fim do mês. A ideia de que as empresas privadas, por definição, gerem sempre melhor que as entidades públicas é um dogma que não resiste à análise dos casos concretos. Os serviços públicos também podem servir com qualidade. Seja como for, o que é imprescindível é que haja controle e regulação por parte do Estado. E que as organizações de consumidores estejam atentas, quer quanto à qualidade da água, quer quanto à equidade das tarifas praticadas.

14. Serão cada vez maiores os conflitos políticos e geoestratégicos por causa do acesso à água. A nova cultura de água é uma das dimensões essenciais de uma diplomacia de paz, baseada em valores de diálogo e envolvimento, que deverá incentivar a mediação dos conflitos internacionais acerca da água. Espero que movimentos de cidadãos como o MIC tenham uma capacidade crescente para colocar na agenda temas como este, que são fulcrais para todos nós. O poder dos cidadãos está a emergir um pouco por todo o lado, desde os Estados Unidos à França, passando por Portugal. Um filme de Al Gore sobre a sustentabilidade do planeta está nas salas de cinema em todo o mundo. Não é um simples documentário: é um verdadeiro manifesto eleitoral do cidadão Al Gore, com vista à sua candidatura em 2008. A cidadania do século XXI passa por estes temas e pela capacidade auto-organizativa e participativa dos cidadãos. Para garantir o acesso à água como direito humano, não bastam proclamações das Nações Unidas ou novas leis. É preciso uma nova cultura, uma nova atitude e uma nova prática da cidadania. Como disse o poeta João Cabral de Melo Neto, "um rio precisa de muito fio de água / para refazer o fio antigo que o fez."

Manuel Alegre

(1)Esta lei define um conjunto de princípios essenciais para preservar um bem que é escasso e a cujo acesso todos devem ter direito em condições de equidade. Define ainda um novo modelo de gestão da água, baseado em Administrações Regionais associadas às bacias hidrográficas. O Minho, atravessado por quatro rios, dois dos quais internacionais, é uma das zonas do país em que a aplicação desta lei quadro tem maior relevância.
(2)Recorde-se que as Nações Unidas aprovaram em 2005 a resolução "Água para a Vida", que proclamou uma nova década internacional da água, entre 2005 e 2015.

"Água: A Visão da Indústria"

Para a indústria de produção de pasta de celulose e papel em geral, e em particular para o sector papeleiro português, a água não é vista "nem utilizada" como uma mercadoria, mas sim como um RECURSO, um recurso natural importante e estratégico como tantos outros.

Por isso, a sua fruição também não é percepcionada tão simplesmente como um direito, mas antes como uma RESPONSABILIDADE, uma enorme responsabilidade individual e colectiva que todos devemos assumir com racionalidade e ( muita! ) competência, sem idealismos hipócritas nem regulacionismos burocráticos que se limitam, na prática, a levantar obstáculos e quáse nunca a apontar soluções.

O caminho que a indústria tem vindo a seguir ao longo das últimas décadas - com resultados bem tangíveis, aliás consiste, então, em gerir esse recurso natural com racionalidade, com responsabilidade e com competência, de forma a permitir a sua sustentabilidade sem comprometer a sua utilidade.

Os limites que, em cada fase do processo industrial, condicionam o ritmo do progresso e o alcance dos resultados obtidos na busca da maior eficiência de gestão do "recurso água" são ditados, apenas, pelo próprio ritmo de desenvolvimento tecnológico, que vai permitindo alcançar soluções técnicas cada vez mais evoluídas e eficazes, e pela rentabilidade do negócio de produção e comercialização dos produtos papeleiros que tem, necessarimente, que gerar os fundos financeiros que permitam suportar os volumosos investimentos ( não-produtivos! ) que sempre estão associados às medidas de interesse ambiental que as indústrias devem implementar nas suas unidades fabris.

O CASO PORTUGUÊS

A indústria papeleira portuguesa tem investido fortemente na redução e optimização dos seus consumos de água e na redução dos impactos ambientais associados à libertação de efluentes nos meios receptores.

Como resultado visível desses investimentos a indústria conseguiu, apesar da duplicação da sua produção nos últimos 15 anos, reduzir em 20% o seu consumo total absoluto de água e, simultaneamente, reduzir também entre 70% a 80% as quantidades totais das principais cargas poluentes dos seus efluentes líquidos.

Esta melhoria impressionante do desempenho da indústria numa área de tão grande sensibilidade ambiental correspondeu, apenas no período de 1995 - 2004, a um esforço global de investimento de modernização da ordem dos 126 milhões de Euros totalmente aplicados em medidas e sistemas de utilização racional e despoluição do "recurso água".

O EXEMPLO DA PORTUCEL VIANA

A fábrica de papel localizada em Deocriste iniciou as suas operações industriais em Janeiro de 1974. Desde então, e de forma mais vincada a partir de meados da década de 90, o consumo total de água no processo de fabrico foi progressivamente reduzido em cerca de 70%, em termos absolutos, e de 84%, na base unitária,ou seja, por cada tonelada de papel produzido.

Para atingir este resultado tão expressivo foi necessário concretizar um extenso plano de medidas de investimento tecnológico e de reformulação de procedimentos internos que permitiram reduzir perdas, baixar consumos e, sobretudo, garantir uma maior eficiência na utilização da água, nomeadamente através da reciclagem e reutilização de várias correntes de água de refrigeração e de condensados do processo que, antes, eram simplesmente drenadas com o efluente e compensadas com água fresca.
As mais significativas dessas medidas, em termos de poupança de água fresca no processo, foram:

- Lavagem dos toros de madeira com águas recuperadas da fabricação do papel;
- Lavagem final da pasta com condensados contaminados provenientes da evaporação das lixívias do cozimento da madeira;
- Arrefecimento e reutilização, em circuito fechado, de todas as águas de refrigeração das várias áreas do processo de fabrico;
- Utilização das águas recuperadas da máquina do papel nas operações de reciclagem dos papeis velhos;

É claro que todo este programa de fecho progressivo de circuitos teve que ser acompanhado por um esforço adicional de investimento de modernização e aperfeiçoamento tecnológico, sobretudo em sistemas de filtragem e depuração que, só no período de 1992-2002, atingiram montantes da ordem de 6 milhões de Euros.

Também importa realçar que toda esta redução do volume de água captada no Rio Lima correspondeu, necessariamente, a idêntica redução no caudal de efluente descarregado no Oceano Atlântico e ainda a outra considerável redução da sua carga poluente ( orgânica e inorgânica ) como resultado dos sistemas de tratamento mais eficazes e mais evoluídos que, entretanto, foram instalados na fábrica.

Em suma, tem sido este o contributo da indústria papeleira, em geral, para a gestão mais racional e sustentável do ?recurso água?.
É nossa responsabilidade garantir a viabilidade económica e ambiental duma importante fileira económica ? a Fileira Florestal Portuguesa ? que, no seu conjunto, representa:

- 3 % do VAB nacional
- 13 % das exportações portuguesas ( 4º maior sector exportador )
- 160 000 empregos directos / indirectos ( 5º maior sector empregador )

É nosso compromisso afectar regularmente uma parte razoável dos fundos gerados pelo nosso negócio para adquirir e implantar nas nossas fábricas as melhores práticas e as melhores tecnologias disponíveis com vista a minorar os impactos inevitáveis da nossa actividade industrial.

ENTÃO, E OS OUTROS ?

Quando tomamos consciência do modo imoderado e fácil como a água é utilizada na agricultura ( o maior consumidor mundial deste recurso! ), quando presenciamos a displicência com que regularmente se regam jardins públicos e privados e se lavam carros ou pavimentos, por exemplo, com água potável (!!) da rede de distribuição pública, ou assistimos à passividade dos particulares e das próprias autoridades responsáveis relativamente às ocorrências de fugas, perdas e desperdícios dessa mesma água, ao mesmo tempo que lemos e ouvimos discursos inflamados e ?professorais? sobre esta mesma temática, assaltam-nos algumas perguntas óbvias:

- porque razão não são estendidas aos outros sectores da sociedade as regras que já há muito foram impostas à indústria ?

- quem está, de facto, a delapidar o "recurso água" ?

A TAXA DOS RECURSOS HÍDRICOS

Está, presentemente, em fase de discussão pública, junto dos parceiros económicos, uma proposta de Decreto-Lei que pretende regulamentar de forma bastante completa ( e complexa! ) a problemática da utilização dos recursos hídricos e que, em particular, visa criar uma Taxa de Recursos Hídricos, na linha das políticas já adoptadas em outros ( muito poucos, ainda...) países mais desenvolvidos.
Essa proposta de diploma prevê uma distribuição das verbas arrecadadas com a aplicação desta taxa em que o principal beneficiário é o próprio Estado ( aos níveis central e regional ) e não a sua utilização em investimentos na melhoria da qualidade do ambiente, como seria (?) de esperar.

Ora, tendo a Taxa dos Recursos Hídricos um objectivo de promoção da qualidade do ambiente, estas verbas deveriam, isso sim, ser postas ao serviço desse objectivo, o que, na opinião da indústria, passaria pelo reinvestimento total em medidas adicionais de melhoria do desempenho ambiental das empresas abrangidas pela referida taxa e não no financiamento de despesas correntes da admimistração pública.
Posto de outra forma: as empresas deveriam ter a possibilidade de requisitar a devolução dos montantes pagos com a taxa para utilização em novos investimentos de racionalização de consumos de água ou de redução das cargas poluentes.

A ser assim, a Taxa dos Recursos Hídricos poderia efectivamente funcionar como um "investimento mínimo anual obrigatório" proporcional ao impacto de cada unidade industrial. Reutilizando esse capital para novos investimentos ambientais as empresas reduziriam progressivamente os seus impactos, de forma global, sobre o "recurso água" e, desse modo, reduziriam também os montantes do seu "investimento mínimo anual obrigatório" até um ponto em que o pagamento da Taxa dos Recursos Hídricos não constitua nenhum tipo de problema para as empresas. As vantagens deste modelo alternativo para a melhoria da qualidade geral dos recursos hídricos nacionais são evidentes.

Bem pelo contrário, o modelo de afectação de verbas proposto no diploma resultará inevitavelmente na utilização da nova taxa para financiamento de despesas correntes da administração pública central e regional, que deveriam ser cobertas exclusivamente pelo Orçamento Geral do Estado, sem se antever qualquer tipo de benefício ambiental por esse facto.
Por outro lado, ao serem forçadas a "contribuir" dessa forma, as empresas vêem as suas margens operacionais reduzidas, o que fatalmente acabará por reduzir as suas capacidades de investimento também na área ambiental, entre outras. A Taxa dos Recursos Hídricos constituirá, nas condições em que é proposta, mais um entrave ao investimento ambiental e não o incentivo financeiro que é apresentado.

Somos, então, forçados a concluir que a nova taxa não é, de facto, uma verdadeira taxa ambiental, mas tão sòmente um aumento da carga fiscal sobre as empresas camuflado com uma capa ambiental. Esta forma de aumentar a carga fiscal gozará talvez de maior receptividade da opinião pública ( os eleitores...) face a um eventual aumento de IRC, mas resultará, para as empresas, numa completa equivalência. A persistir esta visão penalizadora, nem aproveitará o Ambiente nem sairá reforçada a competitividade do País.


Armando Brochado

Portucel Viana SA

2006.09.23

16 setembro 2006

ÁGUA: MERCADORIA OU DIREITO HUMANO



Depois de em Março ter realizado o encontro "Mães e Pais, cidadanias iguais" e em Junho o encontro "Envelhecer: da invisibilidade à exclusão", o M!C vai promover um outro encontro no dia 23 de Setembro, às 15 horas, na Escola Superior de Tecnologia e Gestão, em Viana do Castelo, sob a designação "Água: Mercadoria ou Direito Humano".

A água é elemento fundamental para o desenvolvimento sustentável e, por sua vez gera os seus próprios desafios de desenvolvimento.
A forma como os governos gerem estes desafios, regulam e satisfazem as necessidades de água para consumo humano, usos industriais e a preservação dos ecosistemas, constituiu-se numa ferramenta de desenvolvimento e progresso dos diferentes países.
Contudo, para optimizar a contribuição da água doce para o desenvolvimento sustentável, os países devem considerar os numerosos e complexos vínculos entre as actividades e um uso mais eficiente da água como recurso limitado.

A água como direito humano e recurso a gerir de forma sustentável, une entre outros, personalidades tão díspares como Manuel Alegre, Al Gore e o Papa Bento XVI.
Manuel Alegre nas preocupações e propostas objectivas que apresentou e manifestou relativamente a este tema na sua campanha presidencial.
Al Gore no inquietante documentário que protagoniza.
E o Papa Bento XVI ao declarar a água como um direito humano.

Qual o papel que o Estado reserva para si em todo o processo? A quem pertence a água na sua origem? Como é que as autarquias têm tratado a "sua" água? As desigualdades serão agravadas? Assistimos a uma transferência gradual do património público para o privado? Haverá subida de preços? Quais os critérios para determinar o preço justo da água? Esta discussão é técnica? Esta discussão é ideológica? ..........?

A discussão pública exige a participação de todos. A participação de todos reforça a democracia.

01 setembro 2006

Carta de Intenções do M!C

1. O Movimento Intervenção e Cidadania ( MIC ) é um movimento cívico que tem a sua génese na candidatura de Manuel Alegre à Presidência da República, mas não se reclama dos votos por ele obtidos. Constitui-se para continuar a defender o conjunto de causas e valores propostos no seu Contrato Presidencial e outros que possam vir a emergir.

2. O MIC tem como objectivos contribuir, através da intervenção cívica, para o aprofundamento da democracia participativa inscrita no artigo 2º da Constituição da República, para a renovação geral da nossa vida democrática e para o cumprimento das metas morais e sociais da
Constituição.

3. O MIC é um movimento independente, transversal e aberto a filiados ou não filiados em qualquer partido político.

4. O MIC não tem intuito de se constituir em partido político. É um espaço de cidadania do qual poderão beneficiar as instituições democráticas e os próprios partidos políticos.

5. O MIC promoverá debates sobre temas relevantes tanto de âmbito local como geral e dinamizará a realização de petições, acções populares e iniciativas legislativas de cidadãos, com vista à concretização dos seus objectivos.

6. O MIC propõe-se projectar as suas actividades e iniciativas no espaço público da cidadania, incluindo os meios de comunicação social e as novas tecnologias de informação.

7. O MIC aceita a adesão individual e voluntária de cidadãos e cidadãs que concordem com estes objectivos e valores, através da inclusão em lista nacional de participantes publicamente disponibilizada e regularmente actualizada.

8. As pessoas que participam no MIC não estão sujeitas a qualquer disciplina de grupo.

9. O MIC organiza-se em rede, de forma não hierárquica, através de núcleos de cidadãos e cidadãs que voluntariamente se queiram constituir como tal para participar e promover iniciativas
que se enquadrem nos objectivos do MIC .

10. As actividades de coordenação do MIC são desenvolvidas por uma Comissão Coordenadora Provisória.

Aprovado em Coimbra em 18.02.06