23 setembro 2006

"Água: A Visão da Indústria"

Para a indústria de produção de pasta de celulose e papel em geral, e em particular para o sector papeleiro português, a água não é vista "nem utilizada" como uma mercadoria, mas sim como um RECURSO, um recurso natural importante e estratégico como tantos outros.

Por isso, a sua fruição também não é percepcionada tão simplesmente como um direito, mas antes como uma RESPONSABILIDADE, uma enorme responsabilidade individual e colectiva que todos devemos assumir com racionalidade e ( muita! ) competência, sem idealismos hipócritas nem regulacionismos burocráticos que se limitam, na prática, a levantar obstáculos e quáse nunca a apontar soluções.

O caminho que a indústria tem vindo a seguir ao longo das últimas décadas - com resultados bem tangíveis, aliás consiste, então, em gerir esse recurso natural com racionalidade, com responsabilidade e com competência, de forma a permitir a sua sustentabilidade sem comprometer a sua utilidade.

Os limites que, em cada fase do processo industrial, condicionam o ritmo do progresso e o alcance dos resultados obtidos na busca da maior eficiência de gestão do "recurso água" são ditados, apenas, pelo próprio ritmo de desenvolvimento tecnológico, que vai permitindo alcançar soluções técnicas cada vez mais evoluídas e eficazes, e pela rentabilidade do negócio de produção e comercialização dos produtos papeleiros que tem, necessarimente, que gerar os fundos financeiros que permitam suportar os volumosos investimentos ( não-produtivos! ) que sempre estão associados às medidas de interesse ambiental que as indústrias devem implementar nas suas unidades fabris.

O CASO PORTUGUÊS

A indústria papeleira portuguesa tem investido fortemente na redução e optimização dos seus consumos de água e na redução dos impactos ambientais associados à libertação de efluentes nos meios receptores.

Como resultado visível desses investimentos a indústria conseguiu, apesar da duplicação da sua produção nos últimos 15 anos, reduzir em 20% o seu consumo total absoluto de água e, simultaneamente, reduzir também entre 70% a 80% as quantidades totais das principais cargas poluentes dos seus efluentes líquidos.

Esta melhoria impressionante do desempenho da indústria numa área de tão grande sensibilidade ambiental correspondeu, apenas no período de 1995 - 2004, a um esforço global de investimento de modernização da ordem dos 126 milhões de Euros totalmente aplicados em medidas e sistemas de utilização racional e despoluição do "recurso água".

O EXEMPLO DA PORTUCEL VIANA

A fábrica de papel localizada em Deocriste iniciou as suas operações industriais em Janeiro de 1974. Desde então, e de forma mais vincada a partir de meados da década de 90, o consumo total de água no processo de fabrico foi progressivamente reduzido em cerca de 70%, em termos absolutos, e de 84%, na base unitária,ou seja, por cada tonelada de papel produzido.

Para atingir este resultado tão expressivo foi necessário concretizar um extenso plano de medidas de investimento tecnológico e de reformulação de procedimentos internos que permitiram reduzir perdas, baixar consumos e, sobretudo, garantir uma maior eficiência na utilização da água, nomeadamente através da reciclagem e reutilização de várias correntes de água de refrigeração e de condensados do processo que, antes, eram simplesmente drenadas com o efluente e compensadas com água fresca.
As mais significativas dessas medidas, em termos de poupança de água fresca no processo, foram:

- Lavagem dos toros de madeira com águas recuperadas da fabricação do papel;
- Lavagem final da pasta com condensados contaminados provenientes da evaporação das lixívias do cozimento da madeira;
- Arrefecimento e reutilização, em circuito fechado, de todas as águas de refrigeração das várias áreas do processo de fabrico;
- Utilização das águas recuperadas da máquina do papel nas operações de reciclagem dos papeis velhos;

É claro que todo este programa de fecho progressivo de circuitos teve que ser acompanhado por um esforço adicional de investimento de modernização e aperfeiçoamento tecnológico, sobretudo em sistemas de filtragem e depuração que, só no período de 1992-2002, atingiram montantes da ordem de 6 milhões de Euros.

Também importa realçar que toda esta redução do volume de água captada no Rio Lima correspondeu, necessariamente, a idêntica redução no caudal de efluente descarregado no Oceano Atlântico e ainda a outra considerável redução da sua carga poluente ( orgânica e inorgânica ) como resultado dos sistemas de tratamento mais eficazes e mais evoluídos que, entretanto, foram instalados na fábrica.

Em suma, tem sido este o contributo da indústria papeleira, em geral, para a gestão mais racional e sustentável do ?recurso água?.
É nossa responsabilidade garantir a viabilidade económica e ambiental duma importante fileira económica ? a Fileira Florestal Portuguesa ? que, no seu conjunto, representa:

- 3 % do VAB nacional
- 13 % das exportações portuguesas ( 4º maior sector exportador )
- 160 000 empregos directos / indirectos ( 5º maior sector empregador )

É nosso compromisso afectar regularmente uma parte razoável dos fundos gerados pelo nosso negócio para adquirir e implantar nas nossas fábricas as melhores práticas e as melhores tecnologias disponíveis com vista a minorar os impactos inevitáveis da nossa actividade industrial.

ENTÃO, E OS OUTROS ?

Quando tomamos consciência do modo imoderado e fácil como a água é utilizada na agricultura ( o maior consumidor mundial deste recurso! ), quando presenciamos a displicência com que regularmente se regam jardins públicos e privados e se lavam carros ou pavimentos, por exemplo, com água potável (!!) da rede de distribuição pública, ou assistimos à passividade dos particulares e das próprias autoridades responsáveis relativamente às ocorrências de fugas, perdas e desperdícios dessa mesma água, ao mesmo tempo que lemos e ouvimos discursos inflamados e ?professorais? sobre esta mesma temática, assaltam-nos algumas perguntas óbvias:

- porque razão não são estendidas aos outros sectores da sociedade as regras que já há muito foram impostas à indústria ?

- quem está, de facto, a delapidar o "recurso água" ?

A TAXA DOS RECURSOS HÍDRICOS

Está, presentemente, em fase de discussão pública, junto dos parceiros económicos, uma proposta de Decreto-Lei que pretende regulamentar de forma bastante completa ( e complexa! ) a problemática da utilização dos recursos hídricos e que, em particular, visa criar uma Taxa de Recursos Hídricos, na linha das políticas já adoptadas em outros ( muito poucos, ainda...) países mais desenvolvidos.
Essa proposta de diploma prevê uma distribuição das verbas arrecadadas com a aplicação desta taxa em que o principal beneficiário é o próprio Estado ( aos níveis central e regional ) e não a sua utilização em investimentos na melhoria da qualidade do ambiente, como seria (?) de esperar.

Ora, tendo a Taxa dos Recursos Hídricos um objectivo de promoção da qualidade do ambiente, estas verbas deveriam, isso sim, ser postas ao serviço desse objectivo, o que, na opinião da indústria, passaria pelo reinvestimento total em medidas adicionais de melhoria do desempenho ambiental das empresas abrangidas pela referida taxa e não no financiamento de despesas correntes da admimistração pública.
Posto de outra forma: as empresas deveriam ter a possibilidade de requisitar a devolução dos montantes pagos com a taxa para utilização em novos investimentos de racionalização de consumos de água ou de redução das cargas poluentes.

A ser assim, a Taxa dos Recursos Hídricos poderia efectivamente funcionar como um "investimento mínimo anual obrigatório" proporcional ao impacto de cada unidade industrial. Reutilizando esse capital para novos investimentos ambientais as empresas reduziriam progressivamente os seus impactos, de forma global, sobre o "recurso água" e, desse modo, reduziriam também os montantes do seu "investimento mínimo anual obrigatório" até um ponto em que o pagamento da Taxa dos Recursos Hídricos não constitua nenhum tipo de problema para as empresas. As vantagens deste modelo alternativo para a melhoria da qualidade geral dos recursos hídricos nacionais são evidentes.

Bem pelo contrário, o modelo de afectação de verbas proposto no diploma resultará inevitavelmente na utilização da nova taxa para financiamento de despesas correntes da administração pública central e regional, que deveriam ser cobertas exclusivamente pelo Orçamento Geral do Estado, sem se antever qualquer tipo de benefício ambiental por esse facto.
Por outro lado, ao serem forçadas a "contribuir" dessa forma, as empresas vêem as suas margens operacionais reduzidas, o que fatalmente acabará por reduzir as suas capacidades de investimento também na área ambiental, entre outras. A Taxa dos Recursos Hídricos constituirá, nas condições em que é proposta, mais um entrave ao investimento ambiental e não o incentivo financeiro que é apresentado.

Somos, então, forçados a concluir que a nova taxa não é, de facto, uma verdadeira taxa ambiental, mas tão sòmente um aumento da carga fiscal sobre as empresas camuflado com uma capa ambiental. Esta forma de aumentar a carga fiscal gozará talvez de maior receptividade da opinião pública ( os eleitores...) face a um eventual aumento de IRC, mas resultará, para as empresas, numa completa equivalência. A persistir esta visão penalizadora, nem aproveitará o Ambiente nem sairá reforçada a competitividade do País.


Armando Brochado

Portucel Viana SA

2006.09.23

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