10 novembro 2006

Declaração de voto na generalidade sobre o Orçamento de Estado para 2007

Manuel Alegre
09.11.2006



1. O Deputado deve votar segundo a sua consciência e é responsável perante o país. Decorre da Constituição. Contudo, sendo eleito em listas partidárias, há situações em que, salvo circunstâncias excepcionais, não deve quebrar o sentido de voto do seu Grupo Parlamentar: programa de governo, moção de confiança e moção de censura, Orçamento de Estado.

2. Sendo assim, voto o Orçamento de Estado para 2007, na generalidade, segundo a orientação do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, embora discorde da desigual distribuição dos sacrifícios que são pedidos aos portugueses, que recaem sobre os mesmos de sempre, nomeadamente pensionistas e os funcionários públicos, que vêem o seu poder de compra diminuir pelo sétimo ano consecutivo.

3. Discordo igualmente da redução dos benefícios fiscais para os deficientes, medida que, não tendo grande peso no acerto das contas públicas, tem um significado negativo do ponto de vista social. Não tenho uma visão da justiça social que implique, nesta questão tão sensível, retirar a uns para dar aos outros.

4. Discordo profundamente das taxas moderadoras para internamentos e cirurgias, as quais, segundo o Ministro, não representam mais do que 1% dos gastos do Serviço Nacional de Saúde, mas constituem em meu entender uma dupla tributação que contraria frontalmente a filosofia do Serviço Nacional de Saúde. Como disse Constantino Sakellarides, Director Geral de Saúde do governo de António Guterres, estas taxas são “taxas de punição dos doentes” que apenas servirão para “pressionar o doente a pressionar o médico” no sentido de reduzir o internamento. Um princípio subjacente ao SNS é o de que nós pagamos os nossos impostos e fazemos os nossos descontos para podermos beneficiar do sistema quando estamos numa situação de maior vulnerabilidade. A existência destas taxas moderadoras pode ser um primeiro passo na alteração dos princípios fundamentais do SNS. Oxalá a discussão na especialidade permita reconsiderar este risco.

5. A tributação efectiva aos bancos em Portugal, embora tenha vindo a aumentar desde 2003, ano que registou um valor médio na ordem dos 12,46%, continua muito aquém dos 25% de IRC pagos por qualquer pequena empresa – incluindo micro e pequenas empresas, que no fundo representam a larga maioria das empresas portuguesas. Em 2004 estes valores eram da ordem dos 13,65%. Os valores médios actuais situam-se nos 17%. Por outro lado, os lucros dos maiores bancos privados têm subido significativamente, sobretudo nos dois últimos anos, muito acima dos valores médios atingidos noutros sectores. Este crescimento fez-se, entre outras causas, à custa do fortíssimo endividamento das pessoas – sobretudo no crédito à habitação e ao consumo - e num cenário económico de muito fraco crescimento ou quase estagnação. O OE 07 prevê a criação de provisões específicas para o sector bancário (cobertura de risco de crédito, de risco país, para menos-valias de títulos de carteira de negociação e para menos-valias de outras aplicações). E para as seguradoras prevê a criação de provisões técnicas e provisões para prémios por cobrar. Em ambos os casos o efeito prático destas medidas é o de uma redução do imposto a cobrar e uma efectiva perda de receita fiscal. A banca e as seguradoras devem, em meu entender, pagar os mesmos 25% de IRC pagos por qualquer outra empresa, limitando por completo o recurso ao “planeamento fiscal”, estratégia legal normalmente usada pelo sector para reduzir o montante de IRC pago. O primeiro ministro fez declarações interessantes em relação à banca. São um passo positivo com alguma tradução neste orçamento, em meu entender ainda insuficiente. Também o Bloco de Esquerda apresentou uma proposta que fixa em 20% o mínimo de IRC a ser pago pela banca. Contudo, penso que a taxa efectiva deve ser igual à dos outros sectores de actividade, ou seja, 25%. Nada justifica um tratamento privilegiado, pelo contrário.

6. Considerado o Orçamento de Estado na sua totalidade, compreende-se a política de contenção proposta, dado que o compromisso assumido com a União Europeia impõe a Portugal, para 2007, um défice orçamental não superior a 3,7%. Não é grande a margem de manobra. Mas, como lembra Stiglitz, não há um só modelo de economia de mercado, há várias escolhas possíveis e estas devem ser determinadas por critérios políticos democráticos e não meramente tecnocráticos. Por muito grandes que sejam as limitações, não é o orçamento que deve comandar a política, mas a política que deve comandar o orçamento. Não se pode por outro lado esquecer que o PEC privilegia a estabilidade face ao crescimento, valorizando o controle da inflação e dos défices públicos orçamentais. Esta política tem gerado na Europa custos sociais elevados, nomeadamente o aumento do desemprego. Aproveitando a presidência rotativa da UE, o governo português poderia propor uma revisão do PEC, sobretudo no que diz respeito à não inclusão das despesas de investimento público nas contas do défice do Estado. Os países da zona euro são assimétricos, as realidades são diferentes. Os Estados membros não podem ser despojados de instrumentos que lhes permitam combater as assimetrias e desigualdades, tendo em vista a coesão e a solidariedade. No caso português, o PEC não pode desarmar o Estado, quer para combater a desertificação, objectivo que tem de ser considerado como um imperativo patriótico, quer para promover o crescimento económico e garantir a coesão social, sem qual a própria coesão nacional fica em risco.

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