17 fevereiro 2007

Lindoso: Testamento, carros de bois e “Pai velho” para queimar são tradição milenar do Entrudo

Paulo Julião
Rádio Geice
17-Feb-2007



Ao longe, a chiadeira dos carros de bois acompanhada dos bombos e tropelias dos mais novos anuncia a chegada do carro do Pai Velho ao centro da aldeia do Lindoso, em Ponte da Barca.

A tradição é ancestral e repete-se este domingo, com o povo a assinalar o Entrudo e a transposição entre o Inverno e a Primavera, perante o olhar atento de centenas turistas que marcam presença na aldeia.

As estações são representadas por dois carros de bois, o do Pai Velho, composto por ervas secas, e o das Ervas, elaborado à base de vegetação verde.

Tal como antigamente, o cortejo, em que desfilam os dois carros, engalanados, tilintando de campainhas e com as cangas ornamentadas de monelhas e ramos de flores, percorre as ruas da pequena povoação, perante o olhar atento de dezenas de turistas.

Em frente aos espigueiros e à eira comunitária, e tendo como cenário o Castelo Medieval, o busto de madeira do Pai Velho é transportado, sempre, a cada Entrudo, nas manhãs de Domingo e Terça-feira. Atrás, seguem as rusgas de concertinas, bombos, ferrinhos e castanholas, não faltando as máscaras dos foliões, disfarçados com trajes tradicionais. E sempre com brincadeiras e tropelias, onde não falta o habitual carro de bois, “personificado” por quatro jovens da terra, que avança descontrolado contra os curiosos, para delírio do povo.

António Barros é um dos “velhos” da terra que recorda os seus tempos de brincadeira. “Era uma festa entre todos e só queríamos era arreliar os mais velhos”, recorda. Do baú de memórias, já com 75 anos, retira um episódio: “A certa altura, era eu ainda rapaz novo, falhou-nos um animal para puxar o carro. Não houve hipótese e lá tive de ir eu, ao lado da vaca”.

Para além da “saída” do Pai Velho, o prato forte está, contudo, reservado para o “momento da catarse”, em que a povo lembra ao poder, seja a Junta, o Pároco ou os antigos Regedores, alguns problemas ou episódios da vida quotidiana.

À meia-noite de terça-feira é queimado o Pai Velho e lido o seu testamento, debaixo de uma êxtase geral de todo um povo.

“É a forma de deitarem cá para fora aquilo que é bom, mas também o que vai mal”, explica Manuel Lopes um dos primeiros dinamizadores da tradição para fora da aldeia. “Isto é milenar, mas tememos que, com a desertificação destas aldeias, o Carnaval comercial possa estar a chegar”, confessa.

Tasquinhas com a venda de produtos típicos do Lindoso completam o cenário apresentado por estes dias na pequena aldeia, em pleno coração do Parque Nacional da Peneda-Gerês.

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